A descoberta da ilha da Madeira
Surgindo do Oceano Atlântico, no topo de um vulcão, na plataforma continental africana, vemos no horizonte a ilha da Madeira.
Antes da exploração portuguesa, as ilhas já seriam conhecidas. Há relatos das mesmas desde a antiguidade. Autores clássicos como Plutarco ou Plínio, o Velho referem-se às Ilhas Afortunadas, ilhas paradisíacas onde não há inverno, e colocam-nas no espaço geográfico atlântico correspondente ao do arquipélago da Madeira.
A ilha surge pela primeira vez no Portulano de Dulcert em 1339, cerca de 80 anos antes do seu oficial descobrimento.
A cidade do Funchal no palco do Atlântico
Uma aproximação à costa revela entre as brumas um anfiteatro natural em que fica situada a cidade do Funchal.
Esta cidade começou a ser povoada no ano de 1424, pouco depois da 'descoberta' portuguesa da ilha no ano de 1419.
O arquipélago da Madeira, nomeadamente as ilhas da Madeira e Porto Santo, tornaram-se de uma importância fundamental para o esforço expansionista português no Atlântico. Serviam de base de apoio às rotas comerciais atlânticas e estabeleceram-se também como produtores de riqueza própria (por exemplo como produtores de vinho ou açúcar).
O Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, estabelecia essencialmente a divisão do mundo e das as terras já descobertas e ainda por descobrir entre o Reino de Portugal e a Coroada de Castela. Esta é a doutrina do Mare Clausum que os reinos da Península Ibérica queriam estabelecer sobre a maioria da área atlântica. As restantes nações europeias seriam excluídas ou teriam uma área de ação muito reduzida.
As outras potências europeias partilhavam, compreensivelmente, uma preferência pelo Mare Librum, o mar livre, o Oceano onde todos podem navegar.
Na sequência desta tentativa de hegemonia peninsular, os outros povos europeus viram-se numa situação de marginalidade. Esta traduz-se essencialmente por ações de corso e pirataria. Franceses, Ingleses e, mais tarde, holandeses patrulhavam o Atlântico e armavam os seus almirantes (veja-se o exemplo das ações de Drake em prol da coroa inglesa).
A ilha da Madeira cedo se transformou num centro de comércio, graças especialmente, em primeira instância, à produção de açúcar, tendo inclusive ultrapassado outros produtores como é o exemplo da Sicília. Esta prosperidade atraiu à ilha comerciantes genoeses e flamengos, entre outros.
Este aumento de tráfego nas ilhas atlânticas atrai ações de corso e pirataria.
O ataque mais significativo a acontecer à cidade do Funchal, deu-se em Outubro de 1566 pela mão do militar e corsário francês Pierre-Bertrand de Montluc. Montluc chegou ao Funchal com três galeões e saqueou a cidade, fazendo-a refém durante 15 dias, causando cerca de 200 mortos e prejuízos avultados à cidade no valor de 500 000 reais (em vinho, açúcar, escravos), tendo inclusive feito um assalto à própria Sé do Funchal. O facto de a Sé ter sido atacada tão violentamente tem levado à especulação sobre os possíveis motivos religiosos de Bertrand de Montluc, já que era huguenote, protestante francês, e o Reino Português era uma potência do catolicismo.
O saque francês da cidade revelou sérias fragilidades a nível da defesa da cidade e da ilha.
É na sequência dele que a coroa decide tomar uma série de medidas de forma a antecipar e preparar futuras investidas por parte de piratas e corsários. Em primeira instância artilham-se embarcações que transportam bens (tanto de e para a ilha como para outros pontos do império) e estabelecem-se comboios, uma espécie de escolta armada aos navios mercantes.
Surge também um novo ímpeto na defesa da cidade. Mateus Fernandes é nomeado mestre-de-obras com o intuito de se expandir uma série de estruturas defensivas na cidade do Funchal. Decide-se pela construção e melhoramento de fortalezas com o fim de proteger o porto, a cidade e a população. Há, no imediato, o reforço da chamada muralha velha da cidade, a expansão do Castelo de São Filipe do Pico em 1582 (actualmente denominada de Fortaleza de São João Baptista do Pico), reforço do Palácio/Fortaleza de São Lourenço, a construção do Forte de São Tiago (1614-21).
As mudanças constantes na História europeia afectam, também, constantemente as ilhas atlânticas e a Madeira, e em especial o Funchal, não é excepção.
Durante a união ibérica (1580 a 1640) os assaltos e tentativas de assalto por parte de corsários e piratas franceses sucederam-se. Houve também algumas tentativas por parte de piratas argelinos.
Conforme a situação política muda e é restaurada a independência do Reino de Portugal, também se mudam as lealdades. Portugal tem uma relação de aliança com o Reino de Inglaterra. Esta faz-se sentir também nas colónias do império português, nomeadamente na Madeira, onde a presença inglesa é bastante pronunciada (em especial do século XVIII a XIX).
Para além de uma comunidade inglesa bastante presente no Funchal, a cidade servia também de base operacional a corsários ingleses, apesar da suposta neutralidade de Portugal em relação a certos conflitos (nomeadamente entre ingleses e franceses). Corsários como Filipe Maré e Rei Jorge estavam sediados no Funchal e atacavam os alvos inimigos que conseguiam nas rotas atlânticas (geralmente alvos franceses, espanhóis e, eventualmente, holandeses). Esta ação gerava por vezes represálias que se faziam sentir também contra alvos portugueses (por causa do seu colaboracionismo) e contra a própria cidade do Funchal, como acontece em 1793, 1796, 1797 e 1798 com vários ataques franceses.
Os ingleses chegaram mesmo a ocupar a ilha entre 1801-1802 e de 1807-1814. A posição inglesa no Funchal era vista como fundamental para o controlo das rotas comerciais no Atlântico e como maneira de atacar/controlar as rotas dos inimigos através do corso.
É clara a influência que o corso teve no desenvolvimento da cidade do Funchal, no seu próspero porto de comércio e na própria geografia da cidade através das construções defensivas que ainda hoje podemos visitar.